quinta-feira, 29 de maio de 2008

Notícia da Anvisa

Brasília, 24 de março de 2006 - 17h30
Ofertas de Cytotec são retiradas da internet

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirou do ar vinte (20) diferentes páginas da rede mundial de computadores (internet) que anunciavam a venda do medicamento Cytotec, indicado para problemas gástricos, mas utilizado indevidamente como abortivo porque promove fortes contrações uterinas. A resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa que trata do assunto será publicada no Diário Oficial da União nesta segunda-feira, dia 27 de março.
A prática do aborto com o Cytotec pode trazer graves conseqüências para a saúde da gestante ou mesmo provocar a morte. As crianças que sobrevivem a esses episódios, e há muitos casos constatados na rede pública de saúde, têm seqüelas graves e permanentes.
A ação de fiscalização da Anvisa, chamada de Scanner, se desenvolveu durante 72 horas, desde a última segunda-feira. Pelo que foi constatado pela equipe de fiscais da Agência, as pessoas que fazem esta comercialização ilegal do medicamento hospedam seus anúncios em sítios de relacionamentos, fóruns virtuais de discussão e páginas temáticas ou individuais (blogs). Utilizam inclusive provedores de instituições que são declaradamente contrárias à prática do aborto.
Outro aspecto que chamou a atenção dos fiscais da Anvisa é que o medicamento vendido nos sítios nem sempre é o produto de nome comercial Cytotec, produzido pelo laboratório Pharmacia Brasil LTDA. Alguns comprimidos são falsificados. Nas páginas retiradas do ar pela Anvisa existem ofertas chamadas de “Kit Aborto”, com explicações de como se pode provocar a expulsão do feto e, além do comprimido, traz luvas descartáveis, cremes vaginais e antiinflamatório.
Lançado no Brasil em 1984 para tratamento e prevenção de úlceras gástricas e duodenais, o Cytotec tem como princípio ativo o Misoprostol, responsável pelas contrações uterinas experimentadas pelas usuárias. Por causa desse efeito, o remédio tornou-se o mais popular dos recursos abortivos a tal ponto que, em 1998, o Ministério da Saúde por meio de portaria restringiu a venda do produto apenas para hospitais credenciados.
Após a autuação e suspensão de veiculação dos anúncios, a fiscalização da Anvisa encaminha as informações à Polícia Federal e ao Ministério Público a fim de que sejam instaurados procedimentos de investigação das responsabilidades cíveis e criminais.
Informação: Assessoria de Imprensa da Anvisa

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Caso Clínico de Aborto

H.D.A.: Paciente relata que em janeiro de 1999 foi diagnosticado gestação permanecendo sem alterações até o quarto mês, quando iniciou quadro de edema em membros inferiores, com piora progressiva e ascendente, dispnéia aos médios esforços e hipertensão arterial sistêmica. Procurou serviço de origem onde foi orientada dieta hipossódica e decúbito lateral esquerdo, obtendo discreta melhora da sintomatologia.
No sétimo mês de gestação houve piora destes sintomas, apresentava-se com diminuição do volume urinário, dispnéia aos pequenos esforços, sendo diagnosticado pré-eclâmpsia e evoluindo desta forma para resolução do parto (parto cesárea, com feto vivo, prematuro, baixo peso, pequeno para idade). Após dois dias do parto a paciente evoluiu para insuficiência renal e insuficiência respiratória tendo sido intubada e permanecendo na UTI por 3 dias, onde iniciou tratamento hemodialítico via cateter de Schilley.
Há dez dias da internação a paciente vinha apresentando febre (39 C), calafrios, mialgias, dispnéia aos médios esforços, astenia e hiporexia sendo encaminhada ao nosso serviço.

http://www.unifesp.br/dmed/climed/caso06/caso3.htm

Aborto no Brasil

Atualmente no Brasil o aborto é considerado crime, exceto em duas situações: de estupro e de risco de vida materno. A proposta de um Anteprojeto de Lei, que está tramitando no Congresso Nacional, alterando o Código Penal, inclui uma terceira possibilidade quando da constatação anomalias fetais.
Esta situação já vem sendo considerada pela Justiça brasileira, apesar de não estar ainda legislada. Desde 1993, foram concedidos mais de 350 alvarás para realização de aborto em crianças mal formadas, especialmente anencéfalos . Os juízes inicialmente solicitavam que o médico fornecesse um atestado com o diagnóstico da mal formação, além de outros três laudos para confirmação, um outro laudo psiquiátrico sobre o risco potencial da continuidade da gestação e um para a cirurgia. Ao longo deste período estas exigências foram sendo abrandadas.Em algumas solicitações os juízes não aceitaram a justificativa, e não concederam o alvará tendo em vista a falta de amparo legal para a medida. Em 2000 um advogado entrou com uma solicitação de medida liminar para impedir uma autorização de aborto de bebe anencéfalo no Rio de Janeiro. A mesma foi concedida.

http://www.ufrgs.br/bioetica/abortobr.htm

quarta-feira, 19 de março de 2008

Interrupção da gestação após o diagnóstico de malformação fetal letal: aspectos emocionais

RESUMO
OBJETIVOS: descrever os processos emocionais vivenciados com a interrupção da gestação após o diagnóstico de malformação fetal letal. MÉTODOS: foram entrevistadas 35 gestantes cujo feto era portador de malformação letal e que realizaram a interrupção da gestação após solicitação de autorização judicial. A malformação fetal mais freqüente foi a anencefalia (71,5%). As pacientes foram submetidas à entrevista psicológica aberta logo após o diagnóstico da malformação fetal para que pudessem expressar os sentimentos desencadeados e para promover reflexão sobre a solicitação da interrupção da gravidez. O tempo médio de espera pelo deferimento do pedido judicial foi de 16,6 dias. As que solicitaram e tiveram o aborto realizado foram convidadas a retornar para a segunda entrevista psicológica 30 a 60 dias após o procedimento, quando foi aplicado questionário semidirigido para identificar os aspectos emocionais vivenciados e descrever os sentimentos despertados. RESULTADOS: trinta e cinco pacientes foram entrevistadas após o aborto. Quanto aos sentimentos vivenciados na decisão pela interrupção, 60% relataram como negativos, 51,4% afirmaram que não tiveram dúvidas quanto à decisão tomada e 65,7% informaram que a própria opinião foi a que mais pesou na decisão. A maioria das mulheres (89%) afirmou apresentar lembranças do que viveram com certa freqüência, 91% afirmou que adotariam a mesma atitude em outra situação semelhante e 60% diriam para interromper a gestação caso alguém perguntasse seu conselho, numa mesma situação. CONCLUSÕES: as angústias vivenciadas demonstram que o processo de reflexão é de fundamental importância para decisão consciente e posterior satisfação com a atitude tomada. O acompanhamento psicológico permite revisão dos valores morais e culturais para auxiliar a tomada de decisões visando minimizar o sofrimento vivido.

A Medicina Fetal, compreendida como parte integrante da obstetrícia, objetiva avaliar a saúde e a vitalidade fetal. Tem como princípio fornecer informações sobre diagnósticos e prognósticos fetais, indicando e orientando a paciente sobre a melhor forma de atuação de acordo com cada situação.
O avanço tecnológico possibilitou a introdução de novos métodos na propedêutica fetal. A ultra-sonografia obstétrica passou a ser utilizada nos países desenvolvidos, na década de 1950, chegando ao Brasil nos anos 70, com a ultra-sonografia para fins diagnósticos1. Atualmente, com o aprimoramento das técnicas e dos equipamentos, é possível a confirmação de muitas hipóteses diagnósticas sobre a condição fetal, colocando os pais em contato direto com uma realidade cujo acesso só seria possível após o nascimento2-4.
Grande número de gestantes são submetidas ao exame de ultra-sonografia obstétrica. Geralmente, este método propedêutico de diagnóstico pré-natal objetiva obter informações que confirmem a saúde do feto, eliminando ou minimizando os medos e anseios da existência de malformações fetais5. Entretanto, eventualmente, diagnósticos desfavoráveis são estabelecidos quando são detectadas anomalias no produto conceptual.
O diagnóstico pré-natal é evento estressante, na medida em que existe a possibilidade do diagnóstico de anomalias fetais6. O enfrentamento da realidade nem sempre é processo de fácil elaboração, principalmente quando a normalidade não é diagnosticada. São observados sinais de morbidade psicológica e sintomas de estresse pós-traumático após a interrupção da gestação por anomalias fetais7. E ainda, quando se presume que a anomalia fetal seja compatível com a vida, sinais de sofrimento e dúvidas são freqüentemente relatados, principalmente devido aos questionamentos acerca da qualidade de vida e do prognóstico a longo prazo8. Sintomas de estresse pós-traumático também são verificados em maior intensidade quando a interrupção é realizada em idade gestacional avançada, a partir do segundo trimestre da gravidez8.
Ao informar o diagnóstico de malformação fetal, espera-se que o auxílio à paciente se caracterize pela neutralidade no esclarecimento sobre os procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Assim, a imparcialidade do profissional é de importância fundamental para que o casal possa se remeter às suas próprias crenças e convicções, desencadeando processo de reflexão que poderá auxiliar se eventualmente for discutida a interrupção ou não da gestação9.
Mas a grande questão persiste na limitação atual encontrada pelos profissionais que trabalham com Medicina Fetal. O que fazer após obter um diagnóstico de malformação fetal letal? Como aconselhar?
A legislação de países da Europa ou da América do Norte permite que o casal escolha entre interromper ou não a gestação, quando o feto está gravemente acometido por afecção incompatível com a vida. Entretanto, no Brasil, o procedimento do aborto não é permitido pelo Código Penal Brasileiro10. Do ponto de vista legal, considera-se aborto a interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto, independentemente do estágio de desenvolvimento em que se encontre a gestação. Pela legislação vigente, o aborto não é punido quando é necessário para preservar um bem maior: a vida da gestante ou a honra da mulher violentada. Por não haver legislação específica sobre a interrupção da gravidez, nos casos de malformação fetal letal, verifica-se a necessidade de interpretação da lei e de discussão sobre o tema por juristas e pela sociedade em geral11.
Portanto, no Brasil, não havendo respaldo legal que autorize o aborto nos casos de malformação fetal letal, o casal que enfrenta este diagnóstico se vê angustiado na busca de soluções para o problema. O acompanhamento psicológico deve necessariamente ser oferecido a esses casais. Ao gerar um filho malformado, os pais, muitas vezes, sentem que o que eles tem de pior foi passado ao filho e agora estão expostos para a sociedade todos os seus erros, todos os seus defeitos12. Desse modo, verifica-se que intensas vivências emocionais são desencadeadas a partir do diagnóstico de malformação fetal letal7,13.
Atualmente, com o desenvolvimento das técnicas de diagnóstico pré-natal, o feto passou a ser agente ativo, tornando-se o paciente da Medicina Fetal. A aplicação de métodos propedêuticos no período antenatal diagnosticando anomalias no concepto propicia a instalação de sofrimento e conflitos8 para a gestante e seus familiares, o que torna necessário o tratamento e profilaxia dos aspectos emocionais por profissional especializado6,9,14.
Dentro deste contexto atual, não existem dados nacionais acerca das vivências emocionais de casais que se deparam com o diagnóstico de malformação fetal letal. O presente estudo tem como objetivo identificar os processos psíquicos desencadeados nas mulheres que, diante do diagnóstico de malformação fetal letal, solicitaram a autorização judicial para a interrupção da gravidez. Os conhecimentos gerados a partir desta investigação contribuirão para o aprimoramento de condutas a serem adotadas, facilitando a compreensão do processo psíquico, auxiliando no psicodiagnóstico da situação vivenciada e no planejamento de intervenções.

Métodos
No período analisado foram solicitados 81 pedidos de interrupção judicial da gravidez, por anomalia fetal letal. Cinqüenta e três pedidos (65,4%) foram deferidos pelo judiciário, que emitiu o alvará de autorização do aborto, quatro pedidos (4,9%) foram negados, em quatro casos (4,9%) ocorreu o óbito fetal antes da tramitação da solicitação pela interrupção e 20 pacientes (24,7%) não retornaram ao serviço.
A idade materna variou de 13 a 42 anos, apresentando média de 25 anos e desvio padrão (DP) de 6,3 anos. Quanto ao número de gestações, 15 (42,9%) eram primigestas, 10 (28,6%) secundigestas e 10 (28,6%) apresentavam três ou mais gestações anteriores. Em relação ao número de filhos vivos, 48,6% (17 casos) não apresentavam nenhum filho vivo. A idade gestacional apresentou média de 18 semanas com DP de 5,5 semanas. A investigação dos dados relativos à religião demonstrou que 26 (74,3%) pacientes eram católicas, quatro (11,4%) evangélicas, uma (2,9%) da religião espírita, uma (2,9%) era mórmon e duas não tinham religião (5,7%). Quanto ao grau de escolaridade verificou-se que 19 (54,3%) relatavam 1º grau, 15 (42,9%) tinham 2º grau e uma, grau superior (2,9%). Sobre a relação conjugal, 21 (60,1%) coabitavam com o companheiro (casadas ou com união estável).
O tipo de malformação fetal letal detectado pelo diagnóstico ultra-sonográfico ou genético, que indicou a solicitação da interrupção da gestação, está descrito na. Os casos foram caracterizados conforme a anomalia de maior gravidade. Destaca-se o diagnóstico de anencefalia em 71,5%.

Discussão
O processo de internação hospitalar, a indução e interrupção da gestação são situações que envolvem sofrimento pessoal importante. A internação em enfermaria obstétrica propicia contato com gestações que terminaram em sucesso, o que desperta sentimentos mais intensos de fracasso e frustração, não pela interrupção em si, mas pela incapacidade sentida no gestar, pela ausência do filho imaginado, pelo filho perdido.
A reação dos casais em face do diagnóstico pré-natal de uma anormalidade fetal pode envolver sentimentos de raiva, desespero, inadequação e distúrbios do sono e de alimentação15. Ainda com relação ao diagnóstico de malformação fetal, as reações emocionais desencadeadas, tais como dor, angústia e sofrimento, podem não estar relacionadas com o número de filhos vivos nem com o planejamento e o desejo pela gestação, pois são comuns a todas as mulheres que passam por essa experiência16. Com relação à equipe médica, a raiva pode ser dirigida à equipe de saúde, demonstrando que a compreensão é fundamental para auxiliar o casal a se adaptar à nova realidade.
No presente estudo, a maioria das mulheres relatou aspectos negativos vivenciados durante a decisão pela interrupção da gestação. Em estudos que avaliam a incidência de depressão após a interrupção da gestação no segundo trimestre por anomalias fetais, não se observa diferença entre as pacientes que realizaram a indução do parto ou a dilatação e curetagem, quando da realização do procedimento. Entretanto, em ambos os grupos, mais da metade das pacientes apresentaram sintomas depressivos13.
Ao receber o diagnóstico de malformação fetal, é esperado que as gestantes passem por períodos de dúvidas e questionamentos, buscando outras opiniões, para confirmar o diagnóstico recebido17. Esses sentimentos comumente dizem respeito à ansiedade e apreensão. Quando o diagnóstico é estabelecido com a gestação avançada, a aceitação do problema torna-se muito difícil. O diagnóstico de aneuploidias fetais no período antenatal pode trazer benefícios mesmo para as mulheres que pretendem prosseguir com a gravidez, pois possibilita a busca por informações sobre os cuidados para com o bebê, principalmente programando-se visitas a geneticistas e pediatras, antes do nascimento18.
Em países onde o aborto é permitido, quando é estabelecido o diagnóstico de anomalia cromossômica do feto, a opção pela interrupção da gravidez ocorre em elevada percentagem dos casos: 100% dos casos na Suíça e 94 a 100% nos Estados Unidos19. Quando se confirma o diagnóstico de distúrbios metabólicos, 100% das pacientes realizam a interrupção da gravidez na Austrália, o mesmo ocorrendo nos Estados Unidos. A detecção de espinha bífida leva ao aborto em 100% das gestações, na Inglaterra e nos Estados Unidos, e em 95% das vezes na Austrália. Discute-se que a opção pela interrupção da gravidez, muitas vezes, está pautada na qualidade de vida do feto, com relatos de preocupação com o sofrimento do bebê e da família19.
Neste estudo foi observado que apenas 51,4% das mulheres não relatam dúvidas sobre as atitudes tomadas no processo da interrupção judicial da gravidez por malformação fetal letal e 43% assumem a tomada de decisões como ação pragmática de enfrentamento da realidade. Entretanto, as dúvidas vivenciadas pelas pacientes relacionaram-se principalmente ao diagnóstico. Menor proporção relatou dúvidas de ordem moral em relação ao aborto. Em estudo realizado nos Estados Unidos, a opção pela manutenção ou não da gravidez, nos casos de fetos acometidos por alguma anormalidade, parece estar relacionada com a perspectiva da qualidade de vida da criança, da família e o compromisso pessoal20.
Em levantamento europeu envolvendo 17 centros com registros de malformações congênitas fetais, verifica-se que 43% dos casos evoluem para a interrupção da gestação. Nesse estudo constata-se variação entre as diferentes regiões estudadas (15 a 59%)21. Em estudo realizado na China investigando as atitudes das mulheres sobre a interrupção da gestação por meio de questionário estruturado, verifica-se que metade delas compreendem ser direito da mulher a escolha pelo aborto no início da gravidez e, a grande maioria (90%) optaria pela interrupção da gestação quando na presença de anormalidades cromossômicas letais ou da síndrome de Down22.
A internação e a indução do parto são concebidas com juízo de tempo diferente do real. As horas parecem dias, os dias, anos. O desejo de que tudo acabe e o medo de como será depois propicia essa alteração. Os casais conseguem, no entanto, após a interrupção da gravidez, retomar o sentido de suas vidas. O sofrimento é realmente minimizado com o passar do tempo, ficam as lembranças dos momentos tristes e difíceis, mas o sofrimento deixa de existir com a elaboração do luto e de toda a vivência. Neste estudo a grande maioria não acredita em 'castigo' por terem optado pela interrupção da gestação.
Ressalta-se, no entanto, que, neste estudo, todas as pacientes foram acompanhadas por psicólogo no momento da opção pela interrupção da gravidez, os conteúdos inconscientes foram trazidos ao consciente e as pacientes puderam refletir sobre suas posições. É provável que a ausência de sentimento de culpa ou depressão pós-interrupção esteja diretamente relacionada a esse processo de intensa revisão de valores morais, culturais e melhor compreensão dos aspectos psíquicos em funcionamento. Dessa forma, fica claro que o acompanhamento psicológico é de fundamental importância no processo de decisão. Entretanto, estudos com entrevistas semi-estruturadas demonstram que é difícil estabelecer padrões do modo como devem ser oferecidas as informações sobre o acometimento fetal, reforçando a idéia da necessidade do atendimento multidisciplinar nesses casos14.
Após a interrupção da gravidez, ainda na sala de parto, os profissionais de saúde também devem se abster de emitir julgamentos. Mesmo em estudos com médicos residentes dos Estados Unidos, verifica-se que a taxa de participação em procedimentos de aborto diminui de forma significativa quando se reduz a gravidade da anomalia fetal23.
A participação da equipe que assiste à paciente no momento do parto deve procurar seguir condutas claras sobre os procedimentos a serem adotados. Em estudo realizado em seis hospitais da Califórnia, EUA, verifica-se que 77% das enfermeiras concordariam em prestar atendimento às pacientes internadas para interrupção da gestação por anomalia fetal letal24. Algumas mães necessitam visualizar o feto com todos os problemas, para que consigam crer plenamente no diagnóstico e estabelecer um sentido psíquico para essa vivência. Outras preferem não entrar em contato, por acreditar que isso dificultaria o luto. A escolha é pessoal e deve ser respeitada pelos profissionais que estão fazendo o atendimento da paciente, pois mesmo tendo optado pela interrupção, o casal não consegue conceber esse ato como eliminando a vida do filho. Entendem o processo como escolhendo o momento da perda, mas o vínculo afetivo com a "criança" se mantém; por isso, exigirão respeito e cuidado com o feto durante todo o processo.
É importante que o casal seja reavaliado após o processo de interrupção da gravidez para que se possam identificar os processos psíquicos deste momento, identificando se há necessidade de acompanhamento psicológico para auxiliar na elaboração do luto e da situação vivida.
Este trabalho possibilitou compreender os processos psíquicos vivenciados após a interrupção judicial da gestação por malformação fetal letal. Houve reconhecimento de que a interrupção da gravidez foi a melhor escolha, e que efetivamente minimizou o sofrimento. Não foram identificadas reações de arrependimento ou culpa. A participação ativa do casal no processo de decisão, com ampla reflexão sobre os valores morais e culturais e com a elucidação de aspectos inconscientes, é fundamental para minimizar os sentimentos negativos.
O presente estudo permite concluir que as angústias vivenciadas demonstram ser processo de reflexão, que é de fundamental importância para decisão consciente e posterior satisfação com a atitude tomada. O acompanhamento psicológico permite revisão dos valores morais e culturais para auxiliar a tomada de decisões visando minimizar o sofrimento vivido.

Referências:
1. Zugaib M, Okumura M. Ultra-sonografia obstétrica. In: Okumura M, Zugaib M, editores. Ultra-sonografia em obstetrícia. São Paulo: Sarvier; 2002. p.7-11 [ Links ]
2. Marteau T, Drake H, Bobrow M. Counselling following diagnosis of a fetal abnormality: the differing approaches of obstetricians, clinical geneticists, and genetic nurses. J Med Genet. 1994;31(11):864-7. [ Links ]
3. Marteau TM, Dormandy E. Facilitating informed choice in prenatal testing: how well are we doing? Am J Med Genet. 2001;106(3):185-90. [ Links ]
4. Locock L, Crawford J, Crawford J. The parents' journey: continuing a pregnancy after a diagnosis of Patau's syndrome. BMJ. 2005;331(7526):1186-9. [ Links ]
5. Mansfield C, Hopfer S, Marteau TM. Termination rates after prenatal diagnosis of Down syndrome, spina bifida, anencephaly, and Turner and Klinefelter syndromes: a systematic literature review. European Concerted Action: DADA (Decision-making After the Diagnosis of a fetal Abnormality). Prenat Diagn. 1999;19(9):808-12. [ Links ]
6. Kowalcek I, Muhlhoff A, Bachmann S, Gembruch U. Depressive reactions and stress related to prenatal medicine procedures. Ultrasound Obstet Gynecol. 2002;19(1):18-23. [ Links ]
7. Davies V, Gledhill J, McFadyen A, Whitlow B, Economides D. Psychological outcome in women undergoing termination of pregnancy for ultrasound-detected fetal anomaly in the first and second trimesters: a pilot study. Ultrasound Obstet Gynecol. 2005;25(4):389-92. [ Links ]
8. Korenromp MJ, Christiaens GC, van den Bout J, Mulder EJ, Hunfeld JA, Bilardo CM, et al. Long-term psychological consequences of pregnancy termination for fetal abnormality: a cross-sectional study. Prenat Diagn. 2005;25(3):253-60. [ Links ]
9. van der Pal-de Bruin KM, Graafmans W, Biermans MC, Richardus JH, Zijlstra AG, Reefhuis J, et al. The influence of prenatal screening and termination of pregnancy on perinatal mortality rates. Prenat Diagn. 2002;22(11):966-72. [ Links ]
10. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. In: Delmanto C, Delmanto R, Delmanto Junior R, Delmanto FMA, editores. Código penal comentado. São Paulo: Renovar; 2002. p. 267-71. [ Links ]
11. Diniz D. Aborto e inviabilidad fetal: el debate brasileno. Cad Saude Publica. 2005;21(2):634-9. [ Links ]
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13. Burgoine GA, Van Kirk SD, Romm J, Edelman AB, Jacobson SL, Jensen JT. Comparison of perinatal grief after dilation and evacuation or labor induction in second trimester terminations for fetal anomalies. Am J Obstet Gynecol. 2005;192(6):1928-32. [ Links ]
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17. Duailibi R, Cabral ACV, Vitral ZN, Leite HV, Domont RJ. Acompanhamento psicológico de mães de fetos malformados no Centro de Medicina Fetal da Universidade Federal de Minas Gerais. Femina. 2003;31(1):27-30. [ Links ]

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Aborto

Aborto: um pensamento por dia

Reivindicar o direito ao aborto e reconhecê-lo legalmente, equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte da verdadeira liberdade.
(João Paulo II)

"Nem sempre se tem em conta que as leis que proíbem o aborto na maioria dos Estados são relativamente recentes. Essas leis, que em geral proíbem o aborto consumado ou tentado em qualquer altura da gravidez salvo quando é necessário para salvar a vida da grávida, não têm origem em tempos remotos. Antes, essas leis foram aprovadas, na maior parte dos casos, nos finais do século XIX..."

(Roe vs Wade. Supremo Tribunal de Justiça dos E.U.A. 1973.)



Em poucas palavras pode-se dizer o seguinte: o aborto foi sempre muito perigoso, pelo que era raro e, quando se fazia, ou falhava ou matava mãe e filho (1). O resultado de tudo isto é que o infanticídio acabou por ser preferido ao aborto (2). A Igreja Católica condenava o aborto - o aborto aparece explicitamente condenado na primeira página de um escrito cristão do século I, o Didaké - mas os seus teólogos e moralistas discutiam diferentes graus de gravidade. Em geral, na Europa e na América, as leis civis seguiam a lei canónica (3).

Por volta de 1750 encontrou-se uma técnica de aborto que, embora continuasse a matar muitas mães, constituiu um enorme "progresso" (4).

Na sequência da descoberta que permitia abortos com, comparativamente, alguma segurança, a rejeição do aborto abrandou e este chegou mesmo a ser legalizado em muitos Estados. E, quer fosse legal quer não, o aborto no século XIX tomou-se uma prática muito vulgar.

Contudo, a legalização teve por base os conhecimentos científicos da época. Grosso modo, pensava-se que cada espermatozóide é um homem que se limita a crescer dentro do útero. Porém, em 1827 Karl Emst von Boar descreveu pela primeira vez o processo de concepção, e em meados do século XIX os médicos estavam já completamente convencidos da existência desse processo. Muitos médicos iniciaram então uma campanha para proibir o aborto. A frase que todos pensam ter sido inventada pelo Vaticano "a vida humana começa no momento da concepção", data, de facto, dessa campanha iniciada pelos cientistas no século XIX. Um outro slogan dessa campanha era precisamente "adopção em vez de aborto". (5)

Na sequência de todos estes sucessos, o parlamento inglês baniu o aborto, em 1869, aprovando o Offences Against the Person Act. Foi o primeiro país a fazê-lo. Por seu lado a American Medical Association, em dois relatórios (1857 e 1870), estabeleceu sem margem para dúvidas que o aborto era inaceitável.

No relatório de 1871 pode-se ler o seguinte: "A única doutrina que parece estar de acordo com a razão e a fisiologia é aquela que coloca o inicio da vida no momento da concepção. (...) O Aborto é uma destruição massiva de crianças por nascer. (...) A proibição de matar aplica-se a todos sem excepção, independentemente do ponto de desenvolvimento em que a vitima está. (...) Seria uma traição à profissão que um médico fizesse um aborto. Os médicos que o fazem desonram a medicina, são falsos profissionais, assassinos cultos e carrascos."

Para o relatório de 1851, o aborto é "o massacre de um número sem fim de crianças".